Caracterização química e avaliação das propriedades bioativas das sumidades floridas de Calluna vulgaris (L.) Hull Teses uri icon

resumo

  • Nos últimos tempos tem-se observado um aumento do interesse da população no sentido de melhorar o estilo e a qualidade de vida, dando-se cada vez mais ênfase à importância dos benefícios decorrentes do consumo dos produtos de origem natural. Dado este interesse, e também como resultado da imensa variedade química e biológica associada a estes produtos, a ciência tem aumentado o foco neste tipo de matrizes naturais, sendo cada vez mais importante e de reconhecimento global, a exploração destes recursos. A Calluna vulgaris (L.) Hull, vulgarmente conhecida por urze, é um arbusto que se encontra intensamente presente nas paisagens de várias regiões e é tradicionalmente utilizado no tratamento de diferentes patologias. Os estudos descritos na literatura demonstram o seu elevado conteúdo em compostos fenólicos, bem como o seu promissor potencial biológico. Na presente dissertação as sumidades floridas de C. vulgaris foram caracterizadas relativamente ao seu valor nutricional, perfil químico e propriedades bioativas. Assim, numa primeira fase, procedeu-se à sua caracterização nutricional através da determinação do teor em cinzas, gorduras, proteínas, hidratos de carbono e do seu valor energético utilizando métodos oficiais de análise de alimentos (AOAC); foi também determinado o teor em ácidos gordos (GC-FID), ácidos orgânicos (UFLC-PDA), açúcares livres (HPLC-RI) e tocoferóis (HPLC-fluorescência). Através da extração sucessiva por maceração à temperatura ambiente e sob vigorosa agitação, foram obtidos cinco extratos distintos, usando solventes orgânicos de polaridade crescente (n-hexano, diclorometano, acetato de etilo, acetona e metanol); foram também obtidos dois extratos aquosos por infusão e decocção, formas tradicionais de utilização da urze. O perfil fenólico de cada um destes extratos foi avaliado por HPLC-DAD-ESI/MS. Os cinco extratos orgânicos e dois aquosos foram analisados relativamente à sua bioatividade (atividade antioxidante, citotóxica, anti-inflamatória e antibacteriana). O potencial antioxidante foi avaliado através de dois métodos distintos: inibição da peroxidação lipídica em tecidos cerebrais de porco (TBARS) e inibição da hemólise oxidativa (OxHLIA). As propriedades citotóxicas dos sete extratos foram estudadas em cinco linhas celulares tumorais humanas: AGS (adenocarcinoma gástrico), HeLa (adenocarcinoma cervical), HepG2 (carcinoma hepatocelular), MCF-7 (adenocarcinoma de mama) e NCI-H460 (carcinoma de pulmão); por sua vez, a citotoxicidade em células não tumorais foi avaliada numa cultura de células não tumorais: PLP2 (cultura primária de células de fígado de porco). A atividade anti-inflamatória foi estudada utilizando uma linha celular de macrófagos de rato RAW 264.7. A atividade antibacteriana foi avaliada através da técnica de microdiluição, juntamente com o método colorimétrico de deteção rápida com cloreto de p-iodonitrotetrazólio (INT). Por último, e como resultado do potencial antibacteriano demonstrado, os extratos de metanol, acetona, infusão e decocção foram analisados no sentido de verificar o seu efeito em bactérias que fazem parte da microbiota vaginal. Na análise da composição nutricional verificou-se que os hidratos de carbono são os macronutrientes maioritários, seguidos das proteínas, lípidos e cinzas. Os açúcares identificados foram a glucose e a frutose. Verificou-se também a presença de quatro ácidos orgânicos (ácido oxálico, quínico, ascórbico e cítrico), das quatro isoformas de tocoferóis e, finalmente, foram identificados 16 ácidos gordos. Através da análise do perfil fenólico dos extratos das sumidades floridas da urze foram identificados 12 compostos fenólicos (2 ácidos fenólicos e 10 flavonoides). A miricetina 3-O-glucosido e a miricetina-O-ramnósido foram as moléculas maioritárias em todos os extratos, com exceção do extrato de diclorometano que não apresentou nenhum dos compostos fenólicos identificados. De uma forma geral, o teor de compostos fenólicos aumenta com o aumento do grau de polaridade do solvente de extração. No que respeita às bioatividades, os resultados apresentam diferenças consoante o tipo de extrato: enquanto para a atividade antioxidante o extrato que se destacou foi o de acetona, para a citotoxicidade foi o de acetato de etilo, para a atividade anti-inflamatória o de n-hexano e para a atividade antibacteriana (bactérias patogénicas e pertencentes à microbiota urogenital) destacaram-se os extratos de acetona e metanol. Como resultado do elevado potencial antibacteriano demonstrado pelo extrato de acetona, tanto para as bactérias patogénicas como para os Lactobacillus pertencentes à microbiota urogenital, este foi fracionado por cromatografia em coluna de sílica gel através de um sistema de eluentes de polaridade crescente. As 10 frações obtidas foram caracterizadas relativamente ao seu perfil fenólico e às propriedades antibacterianas. A análise do perfil fenólico das 10 frações resultou na identificação de 47 compostos fenólicos (1 ácido fenólico, 16 flavan-3-óis, 2 flavanonas e 24 flavanóis), dos quais os dímeros do tipo B da (epi)catequina, (-)-epicatequina e (+)-catequina revelaram ser os compostos maioritários. Apesar de as frações não serem eficazes para todas as bactérias patogénicas e não serem todas beneficiadas com o fracionamento, revelaram eficácia contra alguns destes microrganismos sem afetar os Lactobacillus da microbiota vaginal, destacando-se as frações 7 e 8. O presente trabalho permitiu comprovar o potencial biológico associado a esta espécie, em particular e para algumas concentrações o seu potencial antibacteriano contra bactérias patogénicas e a capacidade de preservar a microbiota vaginal. Além disso, também se demonstrou que as formas tradicionais de consumo da mesma são as que revelam maior atividade antibacteriana, servindo de base científica para alertar o consumidor dos potenciais associados à utilização deste arbusto.

data de publicação

  • janeiro 1, 2018