O marmelo é o fruto de Cydonia oblonga Mill., um membro da família da maçã e da pera (Rosaceae). Este não é apreciado cru devido à sua dureza, amargura e adstringência, mas é amplamente processado noutros produtos alimentares, como a marmelada, sendo a casca ou epicarpo descartado sem valor comercial. Como tal, este trabalho surgiu com o objetivo de avaliar o potencial deste subproduto ser integrado na cadeia de valor alimentar sob a forma de ingredientes alimentares ricos em compostos bioativos e fibra alimentar.
Para alcançar este objetivo, foi implementado um desenho de composto central rotativo (DCCR) acoplado à metodologia de superfície de resposta (RSM), combinando as variáveis independentes tempo (1–119 min), temperatura (25–94 °C) e proporção de etanol (0–100%) numa matriz de 20 execuções. Após processamento da amostra, os sobrenadantes das extrações foram denominados de extratos bioativos (EB) e os resíduos sólidos de extratos concentrados em fibra (ECF), sendo a casca de marmelo totalmente aproveitada. Os rendimentos de extração foram determinados por gravimetria e, enquanto os EB foram caracterizados quanto à sua composição em compostos fenólicos, ácidos orgânicos e açúcares livres usando diferentes técnicas de cromatografia líquida, os ECF foram analisados quanto à sua cor e teores de fibra alimentar usando um colorímetro e um método enzimático-gravimétrico, respetivamente. Os resultados experimentais foram usados como variáveis dependentes (ou de resposta) e ajustados a uma equação polinomial quadrática para obtenção de modelos teóricos, os quais foram validados com base em diferentes critérios estatísticos (e.g., R2, R2Adj e falta de ajuste). Estes traduziram as tendências de extração e permitiram determinar as condições ótimas de extração.
Os rendimentos de extração de EB e ECF contrabalançaram e variaram de 34,47 a 67,09% (m/m) e de 39,82 a 65,52% (m/m), respetivamente. No EB foi possível identificar 17 compostos fenólicos, incluindo 6 ácidos fenólicos, 9 flavan-3-óis e 2 flavonóis glicosilados, os ácidos oxálico, quínico e málico e os açúcares frutose, glucose e sacarose. O teor total de compostos fenólicos variou de 6,5 a 10,13 mg/g EB. No ponto central do desenho, os flavan-3-óis e os ácidos fenólicos representaram 40,3% e 34,6% da fração fenólica, respetivamente, e os flavonóis corresponderam a 25,1%. Entre os ácidos orgânicos detetados, o ácido málico foi o mais abundante (representando mais 95% do total de ácidos orgânicos), com teores chegando a 6,97 g/100 g EB. Assim, a casca de marmelo surgiu como uma fonte alternativa deste composto utilizado no setor alimentar e farmacêutico. Quanto aos açúcares, a frutose foi o mais abundante (60-79%), seguido pela glucose (11-25%). Estes dois açúcares redutores juntamente com a sacarose representaram 44 a 62,8% dos EB obtidos e, como esperado, os teores mais baixos estiveram associados ao uso de maiores proporções de etanol. Os modelos preditivos permitiram determinar as condições ótimas de processamento para o rendimento de EB (66,4 min, 28,4 ºC e 42,6% de etanol), compostos fenólicos (64,2 min, 88 ºC e 0% etanol) e ácido málico (87,7 min, 92,7 ºC e 54,4% etanol) que permitiram alcançar valores de respostas de 69 ± 2% (m/m), 10,6 ± 0,2 mg/g EB e 7,9 ± 0,3 g/100 g EB, respetivamente.
Para os ECF, as maiores proporções de etanol estiveram associadas a maiores rendimentos, mas a menores teores de fibra alimentar (a qual representou 52,5-65,6% dos ECF), o que provavelmente se deveu à maior extração de açúcares solúveis. Além disso, quanto maior a percentagem de açúcares, mais claros (valores de L* mais elevados) foram os ECF. Pelo contrário, os ECF com maior proporção de fibra foram mais escuros, o que também poderá ter resultado do processamento a alta temperatura com 20–50% de etanol. A obtenção de ECF foi promovida por 69,1 min de extração a 61,3 ºC, usando 99,9% de etanol. Já o teor máximo de fibra alimentar (67 ± 1 g/100 g ECF) esteve associado ao processamento a 92,2 ºC com 35,5% de etanol, enquanto o tempo não foi significativo para o intervalo estudado.
As condições associadas a máximos de extração de compostos fenólicos e ácido málico foram seguidamente usadas para obtenção de extratos enriquecidos nestes compostos bioativos, o que permitiu validar experimentalmente os modelos preditivos com uma boa concordância entre dados teóricos e experimentais. Depois disso, o potencial conservante destes extratos foi avaliado pela medição da sua atividade antioxidante via inibição da peroxidação lipídica e da hemólise oxidativa e potencial antimicrobiano contra bactérias e fungos associados a contaminações alimentares. Os extratos destacaram-se em vários aspetos comparativamente a aditivos alimentares usados como controlo positivo, principalmente os enriquecidos em ácido málico.
Este trabalho mostrou que é possível valorizar a casca de marmelo em ingredientes alimentares bioativos e funcionais, seguindo uma estratégia de “desperdício zero”.